Brasília, 7 de Março de 2016.
Querida
Ana,
Dois fatos sobre mim:
1) Meias molhadas me deixam estressada.
2) Coisas muito estranhas acontecem comigo ,
com uma frequência assustadora.
Uma vez que você lembre-se desses curiosos detalhes
sobre minha pessoa, o caso que eu vou contar começa a ter um pouco mais de
credibilidade. Um pouco.
Você lembra
que em 2012 eu entrei na universidade. Eu já não era tão nova assim, você sabe.
Eu já sabia me virar bem e aceitava o fato de não conhecer ninguém. Eu era uma
caloura, tinha acabado de voltar da Venezuela depois de morar dois anos lá...
Não esperava ser a rainha da popularidade, e de fato não fui.
Durante as horas que eu não tinha aula, eu lia os
livros da faculdade, lia muito livros aleatórios, andava a esmo pelo campus
escutando música (o mesmo CD em loop eterno, diga-se de passagem)
Parece solitário, mas não era tanto assim. Na
verdade era até bem divertido. Conheci quase todo o campus da universidade
dessa forma. É claro que eu me perdi
algumas vezes... E com algumas vezes eu quero dizer, UM MONTE de vezes. Contexto geral, no entanto, eram momentos que
eu passava sozinha, mas não solitária.
Certo dia, eu estava esperando a aula das
duas da tarde começar, então resolvi ir ao banheiro, pra não precisar sair no
meio da aula - minha bexiga é minúscula, você bem sabe disso minha querida
amiga. O banheiro que eu fui é um daqueles super coletivo, para
a universidade toda, sabe aqueles que não ficam no meio do campus, e não
dentro dos prédios das faculdades? Então,
era desse tipo. Não era um banheiro
grande, muito menos era um banheiro exatamente limpo, mas qual seria minha outra
opção? Eu estava apertada e não podia simplesmente molhar as calças.
Pulemos os detalhes mais sórdidos e vamos direto a
parte em que eu estava na cabine de bexiga vazia, sorriso na cara e pronta pra
sair. Foi aí que começou todo meu
problema...
Antes que pudesse sair, ouço duas pessoas
entrarem. Até aí tudo bem, pessoas entram em banheiros públicos o tempo
todo. Mas então eu ouvi a porta do banheiro
ser trancada, não estou falando das tranquinhas da cabine, mas a porta do
banheiro todo!
Eu achei estranho, mas ainda sim eu queria sair,
minha aula começava em dez minutos. Mão
na porta, mochila no ombro e...
Uma voz do lado de fora começou a
chorar.
E não, não era
um choro controlado, duas fungadinhas e uma lágrima. Não, meu amor, estamos
falando de um senhor berreiro. Com soluços descontrolados, fungadas
profundas, voz trêmula e aqueles barulhos estranhos que uma pessoa faz quando
está se acabando em lágrimas .
Eu fiz a
única coisa racional naquele momento.
Baixei a tampa da privada silenciosamente, e me
sentei. Não queria atrapalhar a intimidade da pessoa que chorava.
Uma pessoa chorava. Chorava muito, muito, muito
mesmo, então uma segunda voz sobressaiu e falou, e a voz que chorava respondeu.
O que gerou um diálogo um pouco disforme e estranho. Não lembro exatamente as palavras, mas era
algo nas linhas:
– Você tem certeza que deu positivo?
– Teeeeeeeeeeenho - respondeu a voz
que chorava.
– Hm... E o que você vai fazer? Falar
com seus pais? Falar com ele?
Não sou nenhum expert em sentimentos alheios, mas
acho que essa não foi a pergunta mais sensível a ser feita, porque a
chorona debulhou-se em mais lágrimas. Ficou assim por quase dois minutos.
Nessa hora eu já tinha começado a abrir a mochila, tirar os papéis velhos
de dentro dela e silenciosamente coloca-los no lixo. Verdade seja dita,
aquela era uma faxina que eu estava adiando há tempos. E a conversa continuou.
– Meus pais vão me matar - quem disse isso foi a Chorona
- Ele vai me matar. O que eu vou fa-fa-fazeeeer?
– Você tem que tomar uma decisão. Eu vou te apoiar
no que for amiga. – respondeu a Amiga-sem-tato.
– O que você quer dizer?
Silêncio
– Você acha que eu teria coragem de fazer uma coisa
dessas?! Tirar meu ... Meu ... –a chorona voltou a chorar, mais alto e
barulhento que antes. O que foi uma surpresa pra mim, eu achei que ela já tinha
alcançado seu máximo antes.
- Então você vai assumir?
- Eu não sSEEeEeEIII
Eu sentada na tampa da privada, limpando as
minhas canetas e meu estojo, já tinha chegado a duas conclusões quando percebi
que não tinha mais papel na minha mochila:
Primeira, eu ia chegar atrasada na aula.
Segunda, a Chorona estava ou grávida, ou
fazia parte de uma organização criminosa querendo fugir. Minhas fichas
estavam na primeira opção.
A Chorona e Amiga-sem-tato ficaram
conversando por um tempo. E nesse tempo eu descobri que:
1) Minha mochila estava realmente um grande um
lixo.
2) A Chorona tinha um namorado e ele não
sabia o que estava acontecendo. E naquele momento eu sentia muita inveja dele
por estar em uma posição de ignorância.
3) A Amiga-sem-tato
dava muitas ideias, e a maioria delas fazia a Chorona se afogar nas próprias lágrimas.
4) Havia dois reais dentro de um bolso
interno na mochila.
5) A Chorona amava o namorado.
6) A Amiga-sem-tato achava o namorado da Chorona um
bosta.
7) Tinha uma prova minha da sétima série
naquela mochila, eu realmente era ruim em matemática.
Resumo da ópera, a Chorona e a Amiga-sem-tato
ficaram lá no banheiro trancado por uma hora e vinte minutos. Minha aula
tinha ido pro brejo, minha bunda estava quadradíssima, a Chorona não parou de
chorar um minuto se quer e eu estava começando a ficar preocupada. Será que ela
estava desidratando? Porque eu não a escutei parando de chorar pra tomar um
gole d’agua nem nada.
Depois dessa epopeia minha mochila estava
limpíssima, meus cadernos organizados, minhas canetas estavam todas com tampa
e eu tinha dois reais extras. É claro que eu perdi a aula, e também é
claro que eu NUNCA mais fui àquele banheiro de novo.
Só que uma coisa me entristece nessa história toda,
eu não soube o que aconteceu depois... A chorona estava grávida mesmo? Os pais
dela a expulsaram de casa? O
namorado fez alguma coisa? Ela finalmente parou de escutar o conselhos da Amiga
Sem-Tato?
Eu não sei Ana, de verdade eu não sei... Mas
isso até hoje me perturba.
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